Desabafo de uma militante socioambiental sobre a reportagem do Bom Dia Rio de ontem a respeito do Comperj e de seus impactos.
Por: Laura França
"Todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum ao povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
- Constituição Federal - Capítulo VI - Art. 225
15 de março de 2012 – O Bom dia Rio está no ar – Entre intervalos comerciais e matérias do dia a dia; radar/RJ, surge a pauta em destaque: O COMPERJ e seus impactos. Na maioria, positivos, segundo a “versão oficial” adotada, também, pelo especialista em meio ambiente da rede Globo, o economista Sérgio Besserman Vianna.
Assim, entre imagens aéreas do empreendimento, destacam-se outras, de arquivo, aquelas que registram o mega-acidente ambiental causado pela REDUC, há uma década, atingindo toda a biodiversidade da Baía de Guanabara, além da diversidade cultural associada aos ecossistemas. Diante do inegável risco concreto, de memória recente, o especialista apressou-se em enaltecer a atual eficiência da fiscalização interna da Petrobras. E, por falar em riscos de impactos negativos, a apresentadora do telejornal também se superou ao elogiar a “exigência bacana” do rigoroso padrão de lançamento dos efluentes industriais, assim garantido pelo famoso marqueteiro e atual secretário estadual do ambiente, Carlos Minc.
Vejam só, o “empreendimento redentor” de Itaboraí, gerador de 200 mil empregos, vai descartar seus efluentes industriais no mar de Maricá, via emissário submarino/duto, na praia de Itaipuaçu, bem ao lado da área marinha do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Assim, simples assim! O especialista apenas reconheceu que, "apesar de tratada a água, sempre sobram algumas substâncias". E a apresentadora comentou: "Você acha que é suficiente a distância de 2 km para o descarte"? E o especialista, com toda a seriedade que lhe é peculiar: "Bem, isso depende de estudos, de avaliar correntes marinhas, mas o ideal é diminuir o risco da vinda dos efluentes para perto, então, vamos dobrar isso, né, uns 4 km"... (Perto de onde, de quem?) Assim, simples assim!
O que é isso, Sérgio Besserman? Que número é este, será cabalístico? Com base em que estudos você baseou sua recomendação? Você preza sua própria credibilidade? Você, ao menos, se deu ao trabalho de avaliar os estudos técnicos do INEA, considerando o destaque do secretário, de que estes definirão a concessão da licença ambiental? Você, ao menos, consultou o tal EIA/RIMA contratado pela Petrobras? Você compareceu a alguma audiência pública? Um consultor/especialista não pode se dar ao desfrute do “achismo”, especialmente em questões fundamentais para a saúde ambiental, para a saúde pública. Você se deixou levar pelo canto da sereia/Minc, pela cômoda versão oficial do poder que contempla empresas financiadoras de projetos e campanhas.
Além disso tudo, ainda é preciso destacar outros comentários seus, caro especialista/economista:
- “O COMPERJ fará um uso nobre do petróleo, do refino, criando produtos de muito valor”. Que produtos? Que valor? Ambiental? Econômico?
- “Audiência Pública é uma coisa que não tem funcionado, e é preciso deixar de lado esse te... (Você quase falou: teatro!!!!'sic'), nessa época da Internet, às vésperas da Rio+20”. O que é isso, Sérgio Besserman? Audiência Pública é o último resquício democrático inerente ao processo de licenciamento ambiental,e significa muito para o cidadão comum, aquele que não participa dos acordos de gabinetes, dos bastidores do poder. Mas você, mais uma vez, apenas reproduziu o atual “mantra” (Audiência pública, não!) do secretário do ambiente, Minc, que teme o cara a cara, o olho no olho, que não quer ouvir a voz, o NÃO, do povo simples, sábio e verdadeiro, diretamente afetado. Na última audiência pública, em Itaipuaçu, um auditório lotado disse NÃO ao duto do COMPERJ, disse NÃO às medidas compensatórias do Minc, porque o cidadão sabe que isso não compensa o crime ambiental que ameaça suas vidas, suas culturas, e todos os ecossistemas que também fazem parte disso tudo, igualmente em risco de extinção. Assim, na Rio+ 20, essa história será contada por muitos, muito além da versão oficial... Até lá a licença ambiental já estará concedida (em primeiro de abril, como garantiu o secretário) e será de conhecimento público, nacional e internacional, que no Rio de Janeiro acordos espúrios superam e negligenciam o indispensável respeito ao meio ambiente, bem de uso comum do povo, como prega a nossa Constituição.
Uma sociedade governada, estritamente, por inferências econômicas promove gestores e especialistas de acordo com o sistema assim estabelecido, nivelados pela versão oficial.
Mas, ainda acreditando na sua capacidade de reavaliação, Besserman, reproduzo abaixo algumas observações, intencionalmente omitidas na versão oficial, para sua informação e melhor análise dos fatos; dos diversos riscos socioambientais.
Veja, Sérgio Besserman, há alguma coisa no ar, além da versão oficial dos burocratas de plantão...
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- (Análise do GT criado no âmbito do Conselho Consultivo do PESET, desde fevereiro/2011) -
Segundo técnicos do próprio INEA, a totalidade da tabela periódica, ou seja, cianetos, fenóis, óleos, graxas e todos os demais elementos químicos existentes serão jogados no mar, em Itaipuaçu. Esses dejetos petroquímicos possuem características conservativas e cumulativas e permanecem no ambiente por um longo tempo, provocando danos de caráter ambiental (ecossistemas costeiros e vida marinha), social (pesca, moradia, lazer), turístico (ecoturismo, turismo náutico, turismo sub-aquático, surfe) e econômico (comércios, pousadas, restaurantes). A pesca artesanal de Itaipu será frontalmente atingida e toda a pesca da Região Oceânica (Niterói e Maricá) estará comprometida. O mar deixará de ser seguro para o banho e para qualquer outra atividade!
Para além dos riscos em toda a nossa orla, a área marinha do Parque Estadual da Serra da Tiririca (Enseada do Bananal/Costão de Itacoatiara/Pedra do Elefante) será comprovadamente atingida, o que representa um desrespeito à legislação em vigor, trazendo danos a uma unidade de conservação de tamanha importância para Niterói e Maricá. O Relatório de Impacto Ambiental da empresa contratada pela Petrobras aponta que a gama de efluentes industriais ocupará a área marinha da Serra da Tiririca por inteiro, ainda que diluídos, em determinadas épocas do ano.
Há fortes indícios de desconhecimento, tanto da CEPEMAR, quanto da Petrobras e do Inea, sobre os impactos de cada elemento e substâncias componentes a serem descartados pelo duto na biota marinha, terrestre e para a saúde humana. Considerando que a composição dos efluentes não é totalmente conhecida e muito menos suas concentrações.
Há flagrante desrespeito aos limites de uma unidade de conservação de proteção integral (PESET) e de sua zona de amortecimento, e, por conseguinte, de uma lei federal (SNUC) [1]. Vale registrar que se trata de um Parque Estadual administrado pelo próprio INEA, e que seu Plano de Manejo se encontra em fase de elaboração e que o mesmo ainda não concluiu os devidos estudos sobre a área protegida, terrestre e marinha, e sua biodiversidade.
Há carência de consulta a estudos acadêmicos sobre a biota das Ilhas Maricás e sobre a área marinha do Parque Estadual da Serra da Tiririca, além de coletas de dados insuficientes pela CEPEMAR sobre as mesmas. O EIA/RIMA é falho, incompleto e inconclusivo, com lacunas de informação graves, métodos de coleta e interpretação de dados insuficientes e resultados questionáveis em diversos trechos destes documentos. Além do uso de metodologia inconsistente em diversos estudos do EIA e a pobreza de referências bibliográficas.
A Corrente das Malvinas e os vórtices, frequentes em todo o litoral afetado, especialmente na área marinha do PESET, não foram considerados pelo EIA.
A empresa responsável pela confecção do EIA/RIMA do duto, a CEPEMAR, possui um extenso currículo de EIAS/RIMAS de baixa qualidade [2].
A contaminação de toda a cadeia alimentar e o afugentamento de espécies como baleias e golfinhos, raias e tartarugas, lagostas e polvos, entre outras, prejudicará atividades econômicas importantes para a área (pesca, lazer, turismo, etc.).
Haverá a destruição de pelo menos uma nascente localizada no traçado do duto em Maricá (logo acima do ponto de intercessão 5 do duto com o Córrego São Tomé, no Mapa de Recursos Hídricos, Anexo 09) , além do risco de vazamento e dispersão de efluentes em áreas úmidas, canais, rios e áreas ocupadas por populações humanas.
Considera-se alta a probabilidade de ocorrência de rompimentos do duto na transição entre a parte terrestre e marinha do mesmo, devido ao fato de a Praia de Itaipuaçu ser considerada de "alta energia".
Há indícios de distorção de informações passadas por equipes técnicas do Comperj a atores sociais sobre o duto, como pescadores e outros, fazendo-os crer que os impactos do empreendimento seriam bem menores do que a realidade, conforme provas audiovisuais.
O EIA negligencia problemas estruturais e acidentes registrados em outros empreendimentos do mesmo gênero, que deveriam servir de parâmetro comparativo, como o duto Cabiúnas, que teve interrompida sua operação pelo IBAMA, em face dos inúmeros problemas que afetavam, especialmente, o Parque Nacional de Jurubatiba (Macaé, Carapebus, Quissamã), no Estado do Rio de Janeiro.
O empreendedor prioriza uma tecnologia que, embora possa estar dentro de parâmetros legais, como afirmam e garantem seus representantes, ou seja, o lançamento de efluentes industriais tratados no meio marinho através de um duto, já se encontra ultrapassada e continua a ser indesejável e nociva, considerando, inclusive, que a própria Petrobras domina tecnologia de descarte 100% limpo e reúso total de efluentes, presente em uma de suas unidades petroquímicas, a Refinaria de Capuava, em São Paulo, tecnologia esta superior à preconizada pelo atual projeto do duto.
Em reunião ordinária do Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca, a plenária, por unanimidade, propôs, como alternativa prioritária ao problemático projeto atual do Duto do Comperj, a “exigência de estudos para se estabelecer outras formas de destinação dos efluentes que não o descarte no mar ou em rios”.
Não há no EIA a definição dos números de ictiofauna.
Embora estudos oceanográficos da plataforma interna existam, os mesmos são ignorados pela CEPEMAR no EIA.
A ictiocenose é densa e diversa, como apontam estudos das universidades e das empresas petrolíferas, mas negligenciada pelo EIA.
A Serra de Inoã encontra-se recoberta por densa vegetação remanescente de Mata Atlântica, com fauna e flora típicas, formando importante corredor ecológico com a Serra da Tiririca, ao contrário do que foi mencionado no capítulo 12 do EIA.
O EIA não especifica os sítios históricos e arqueológicos existentes na área em questão.
Há carência de inventário de fauna e flora dos locais por onde passará o duto.
O levantamento socioeconômico do EIA encontra-se defasado.
O mesmo estudo ignora o grande fluxo turístico no município, observado pelo IBGE/2000, que aponta 46% dos domicílios como uso ocasional, logo voltado para o turismo do tipo veraneio, no mesmo patamar dos municípios da Região dos Lagos.
A pluma prevista, de 1.600 m, é subdimensionada ante as intensidades das correntes e da forte dinâmica costeira.
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- Caro especialista em meio ambiente, consultor da rede Globo, Sérgio Besserman, os aspectos destacados acima foram determinantes para que membros do Grupo de Trabalho Duto do Comperj, coletivo de integrantes do Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca [3]( criado em reunião ordinária dessa organização da sociedade civil na data de 16 de fevereiro de 2011) e participantes da Audiência Pública sobre o Emissário Terrestre/Submarino do Comperj, realizada em 24 de janeiro deste ano, recomendassem a suspensão do processo de licenciamento e a contratação de novo Estudo de Impacto Ambiental-EIA, elaborado por equipe de reconhecida competência, tendo em vista o resultado da citada audiência, expresso no repúdio da sociedade civil ao empreendimento, assim manifestado por unanimidade.
Veja, Sérgio Besserman, há alguma coisa no ar, além da versão oficial dos burocratas de plantão...
Laura França
jornalista - ambientalista
membro do GT/duto/PESET
(Carta recebida por correio eletrônico)