Por: Laura França*
Por unanimidade, o recado foi dado na Audiência Pública do “Projeto do Emissário Terrestre e Submarino do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro”: - Fora, duto do COMPERJ!
A sociedade civil, em pleno exercício de cidadania, cumpriu seu papel e registrou na história do município de Maricá: - 24 de janeiro de 2012 – o dia do Não! Dia em que seus cidadãos se reuniram e viraram a mesa na Audiência Pública, aquele já conhecido e desconsiderado rito de passagem, passe-livre para os megaempreendimentos poluidores, usurpadores de referências ambientais e culturais.
Em total cumplicidade, o poder público, aliado ao poder econômico, representado pelo INEA/CECA – órgão ambiental licenciador, assumiu o papel de mestre de cerimônia e apresentou seus atores, todos a serviço da liberação da absurda licença. A mesa da “festa” foi montada com pompa de corte, decorada com arranjos de flores mortas, impróprias! Os componentes, integrantes das equipes de consultores, da Petrobras e do INEA, identificados com pulseiras azuis, impróprias! Suas atitudes e discursos os identificavam, impróprios!
Em alta performance, experiente na função, o Presidente da CECA se apresentou ao público, destacando seu papel oficial, com a missão de receber as observações da plateia, “porque uma audiência pública não cancela o licenciamento, mas agrega recomendações ao processo”. Destacou, ainda, que seriam aceitas perguntas por escrito e que o uso da palavra estaria garantido aos (14) participantes já inscritos, via internet, de acordo com normas do CONEMA (Conselho Estadual do Meio Ambiente).
Assim, foi dada a largada para as questões de ordem: “Vale o escrito? Não é isso o que está escrito no papel que descreve as “Normas de procedimentos para Audiência Pública”, assinado pelo INEA e distribuído na pasta da Petrobras”, alerta o militante, Fernando Tinoco, também experiente, lendo o item 4: - "o Presidente declarará aberta a primeira fase da Audiência Pública, assim como aberto o prazo para a apresentação de perguntas escritas e inscrições para o uso da palavra durante os debates..."
Diante disso, recuou o presidente da mesa e liberou o microfone, tempos depois de submeter à plateia, inclusive, ao relato dos projetos sociais da empresa, dedicados aos municípios afetados, como “uma grande oportunidade de promover o desenvolvimento da região do entorno”.
Tempo perdido com tanto bla-bla-bla, pura propaganda enganosa, também imprópria! Além disso tudo, o foco fundamental está na outra questão da fala do presidente, sobre o papel da Audiência Pública: –“não cancela, mas agrega contribuições”. Segundo o item 6 das – Normas de procedimentos para Audiência Pública: “... ocasião em que apresentará explicação sobre o licenciamento ambiental, a ausência até o momento de decisão sobre a expedição da licença ambiental ao empreendimento, o caráter consultivo e os possíveis desdobramentos da Audiência Pública e o termo final do período de análise e decisão sobre a licença, o qual também levará em conta o que for apresentado na Audiência Pública e no período seguinte de oferecimento de comentários suplementares”. Vale o escrito?
Assim, como bem observou uma participante, simples dona de casa: – Registrem bem o resultado da Audiência: “O povo de Maricá disse não ao duto!” E outra completou: “Nossa casa, nossa regra!” Vale o registro? Ponto final. – A resistência, em Maricá, existe e está atuante como nunca, organizando seus movimentos e atuando em várias frentes em defesa dos ambientes naturais e culturais, como os pescadores tradicionais da comunidade Zacarias e os grupos em defesa das lagunas e restinga, como bem destacaram Flávia Lanari, representante da APALMA, e a Professora Desiré Guinchard, da Associação Pró-restinga.
Como os donos do poder tanto gostam de destacar, também houve fartura de argumentos técnico-científicos contrários ao emissário, muito bem estudados e apontados pelos participantes, também embasados em pareceres dos meios acadêmicos. Dentre os muitos aspectos negativos do EIA, destaco o flagrante desrespeito à APA de Maricá e ao Parque Estadual da Serra da Tiririca - PESET, Unidade de Conservação administrada pelo próprio órgão licenciador, o INEA.
A mesma mão que deve proteger licencia sua contaminação! Pasmem!A área marinha do PESET, demarcada entre a Pedra do Elefante e o Costão de Itacoatiara, na Enseada do Bananal e entorno, (onde há ocorrência de vórtices), será alvo da pluma dos efluentes contaminantes: cianetos, fenóis, óleos e graxas... (toda a tabela periódica). Biodiversidade ignorada, biodiversidade perdida! Pesca artesanal de Itaipu e Maricá também em extinção!
Diante de tal ameaça, concreta, o Conselho Consultivo do PESET, integrado por representantes da sociedade civil, criou um Grupo de Trabalho dedicado a analisar o Estudo de Impacto Ambiental, ao longo do último ano. O Coordenador do GT, o ecologista Cássio Garcez, apresentou na Audiência as principais questões (apresentado a seguir a este texto) que levaram à total desqualificação do EIA.
Essa Audiência Pública deve se tornar um marco. O marco zero para o INEA rever sua postura ética e a política pública ambiental que implementa no Estado do Rio de Janeiro. Se é que se pode considerar a existência de algum planejamento ambiental nesse governo, que esteja acima e além das politicagens partidárias.
Exemplo claro? A inexistência de um eficaz plano de contingência, falha revelada diante do último acidente ocorrido na bacia de exploração de petróleo no litoral de Campos. Imagens fortes: mancha de óleo de enormes dimensões se estendendo pelo mar aberto. E o monitoramento? E as consequências? Quem sabe? E o pagamento das multas? Quem recebe? E as nefastas medidas compensatórias? O crime não compensa! A biodiversidade perdeu!
*Jornalista, Pós-graduada em Planejamento Ambiental-UFF, ex-integrante do Movimento Cidadania Ecológica, ex-Administradora do PESET (1993 a 1996), integrante do GT-Duto do Comperj.
Plenária lotada com pessoas e grupos indignados com o projeto do emissário do Comperj. Foto: Cássio Garcez. |
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