domingo, 10 de junho de 2012

Construção de duto do Comperj em Maricá é alvo de protestos


Matéria de ontem do Jornal O Globo, editoria Rio, revela uma série de incongruências e de contradições no discurso oficial da secretaria de estado do ambiente e da Petrobras, algumas das quais tomamos a liberdade de sublinhar e de contra-argumentar em seção anexa, ao final da reportagem. Leia e confira os métodos pouco éticos que autoridades estaduais e empresários daquela estatal de petróleo vem utilizando para entubar uma obra equivocada ao cidadão de Maricá e Niterói.

O Globo - RIO

Em análise pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a construção de um duto de rejeitos do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) ligando a refinaria à Praia de Itaipuaçu, em Maricá, é alvo de protestos de ambientalistas, que entraram com uma ação no Ministério Público estadual. Na terça-feira, o promotor Luciano Mattos, da Promotoria de Tutela Coletiva de Niterói, juntou à ação um documento com três mil assinaturas. Os autores pedem o cancelamento do processo de licenciamento e novos estudos de impacto ambiental (EIA-Rima) para a obra, que está em fase final de licenciamento.

O principal ponto de discórdia entre ambientalistas de Maricá e Itaboraí é a proposta para que a tubulação — que vai despejar no mar efluentes químicos tratados — termine a 2km da praia. Há o temor de que os rejeitos lançados pelo duto, que terá aproximadamente 40km em seu trecho terrestre, poluam as praias e a área marinha do Parque estadual da Serra da Tiririca, administrado pelo Inea.

Por outro lado, a Petrobras garante que as condições de balneabilidade das praias não serão afetadas e ressalta que vai tratar todos os efluentes sanitários e industriais antes do despejo no mar [1].

Projeto original não previa emissário
Mesmo com o licenciamento ainda em curso, a Petrobras já abriu licitação para contratar a empresa responsável pela construção do emissário. Assinado pelo coordenador da comissão de licitação da estatal, Sérgio Shohati Watanab, o chamamento foi divulgado em 26 de março, dois meses depois da segunda audiência pública sobre o duto. O secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, no entanto, reforçou que a licença ainda não foi concedida e que o traçado do emissário não está sequer definido [2]. A Petrobras não informou se a empresa já foi escolhida.
 Eles podem contratar quem bem entenderem. Mas quem dá a licença, quem define o percurso do emissário e os parâmetros de tratamento dos resíduos somos nós. E não está nada decidido — afirma Minc [3].

Duas audiências já foram realizadas para discutir o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do empreendimento. Representantes do Fórum da Agenda 21 de Maricá argumentam que o estudo apresentado pela estatal é impreciso ao detalhar os impactos ambientais da construção do duto.
— Estão empurrando a construção do emissário goela abaixo, sem que esclarecimentos importantes sejam prestados — critica Cássio Garcez, guia de ecoturismo que coordena o movimento Fora Duto. — Vai desembocar ao lado da colônia de pescadores? E mais: o EIA admite a possibilidade de ocorrer alteração na qualidade da água de Maricá. Mas não fornece mais detalhes.

Minc promete exigir que o duto despeje efluentes a uma distância “bem maior” do que a proposta pela estatal — sem entrar em detalhes — e garante que o pré-tratamento dos poluentes será “de 15 a 20 vezes” mais rigoroso do que a estabelecida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) [4]. 
 Não existe impacto zero em nenhum país do mundo para este tipo de empreendimento [5].   O efluente da CSN vai para o Rio Paraíba do Sul; o das indústrias inglesas, para o Tâmisa. A saída é exigir padrões mais rigorosos — diz Minc.

Na proposta original da Petrobras alinhavada com o governo estadual em 2008, não constava a construção do emissário. A estatal iria tratar os efluentes e reutilizar a água na própria planta, num circuito fechado, lembra Axel Grael, engenheiro ambiental e ex-presidente da Feema:
— Na licença prévia do Comperj que concedemos em 2008, não havia projeto de construção de emissário. A ideia era fazer o reuso da água depois de tratada. O projeto mudou. Agora a empresa mobiliza muita gente, gasta dinheiro ao colocar um edital na rua. E se a licença não for concedida? [6].
A Petrobras informou, por e-mail, que os estudos de dispersão indicam que “não haverá alteração na qualidade da água na área marinha do Parque estadual da Serra da Tiririca” [7]. Disse ainda que, a partir do início da operação do emissário submarino, será efetivado um Plano de Monitoramento Marinho para “acompanhamento da qualidade da água nos campos próximo e afastado do difusor” [8]. A estatal, porém, não explicou o porquê de ter alterado o projeto original. A inauguração do Comperj está prevista para 2014. 



ANEXO
Contra-argumentos às alegações institucionais

Por: Cássio Garcez

[1] - O fato de a Petrobras não conhecer a totalidade da composição e das quantidades das substâncias a serem descartadas (já que apenas uma parte delas foi apresentada no EIA/RIMA do emissário), contradiz a primeira alegação de que a balneabilidade das praias não será afetada. Já na segunda, o tratamento dos efluentes não é garantia de que não haverá impactos ou de que estes serão "aceitáveis".

[2] - Embora realmente a licença não tenha sido ainda concedida, o traçado do emissário já está definido, conforme o próprio secretário (em depoimento ao Jornal O Globo-Niterói de 17/7/2011) e como mostram as marcações geodésicas instaladas no futuro caminho do duto, de Itaboraí até o litoral de Maricá.

[3] - A abertura de licitação para contratação de empresa para construção do emissário, além de escandalosa e ilegal, é também uma assunção de que o licenciamento estaria praticamente pronto, aguardando apenas o momento certo de ser anunciado (supõe-se, depois de passada a vitrine Rio+20). Contrariando Minc, a Petrobras não pode contratar quem ela bem entende, já que trata-se de uma empresa pública, gerida com dinheiro público, assim tão ou mais obrigada a seguir os trâmites legais quanto qualquer outra (do contrário, obviamente estará cometendo um crime, como parece ser o caso. O MPRJ está de posse de uma cópia de carta-convite da licitação, apensada à representação sobre o emissário no último dia 5, dia do meio ambiente). Sobre a segunda alegação, de que nada está decidido, realmente não se pode provar o contrário. Mas há rumores de fontes internas do próprio Inea que indicam justamente isto.

[4] - A distância "bem maior" a que se refere Minc, segundo informações não oficiais de técnicos do Inea, seria um acréscimo de 2 km do ponto de dispersão original dos efluentes, totalizando 4 km da Praia de Itaipuaçu e 2 km das Ilhas Maricás. E os parâmetros "mais rigorosos", ressalta-se, não teriam por si só o poder de garantir a manutenção da qualidade ambiental do local onde serão descartados os efluentes, já que a eficiência do monitoramento depende da rigorosa e competente fiscalização das autoridades ambientais. Algo que já não funciona a contento, como no exemplo do bota-fora de material de dragagem da Baía de Guanabara no litoral de Niterói, da alçada do INEA, onde desde o estudo de impacto ambiental, passando pelo desconhecimento da área de descarte, até a composição do material descartado são questionados pelo MP (segundo reportagem do Jornal O Globo-Niterói de 10/6/2012, disponível em: http://oglobo.globo.com/niteroi/poluicao-do-fundo-do-mar-em-niteroi-5154905)

[5] - Esta afirmação contradiz o que o próprio secretário de estado do ambiente vem alegando em várias reportagens, de que "não haverá impacto ambiental" com a construção do emissário em Maricá (Jornal O Globo-Niterói, de 17/7/2011). Haverá ou não haverá impacto, Minc? Com essa indefinição o Senhor está confundindo a população e atenuando artificialmente um problema que é grave, já que vai produzir impacto sim, mesmo com a maior dispersão proporcionada pelo mar aberto, o tratamento prévio do material a ser descartado e os parâmetros supostamente mais rigorosos para isso. Destacamos que a composição dos efluentes é de substâncias conservativas e cumulativas, ou seja, que permanecerão no meio ambiente por muito tempo prejudicando não apenas os organismos marinhos, mas todos aqueles que usam e dependem do mar para seu lazer, esporte ou sustento.

[6] - Corroborando o estranhamento de Grael, questiona-se: por quê, além de a Petrobras ter desistido de reusar 100% dos efluentes tratados do Comperj, também não incluiu esta alternativa no EIA/RIMA do emissário? É curioso destacar que tal tecnologia existe e é de domínio da própria empresa, que alardeia com muita pompa utilizá-la na Refinaria Capuava, como pode ser conferido na afirmação: "A Refinaria de Capuava (Recap), em Mauá, no estado de São Paulo, é a primeira planta da companhia com descarte zero de efluentes. Sua estação de reúso de água foi inaugurada em 2008 e permite que todo o efluente seja reaproveitado para fins industriais por outras empresas da região. Com isso, a captação de água do manancial de abastecimento é reduzida em 880 mil m³ por ano".  (disponível em: http://www.hotsitespetrobras.com.br/rao2008/i18n/pt/balanco-social-e-ambiental/meio-ambiente/estudo-de-caso.aspx). E, por outro lado, se não existe impacto zero, como alega Minc, então por quê esta empresa dá a entender o contrário na mesma afirmação? Propaganda enganosa da corporação que detém a marca institucional mais valiosa do Brasil?

[7] – Esta afirmação é falsa, tomando como base mapa constante do próprio EIA/RIMA do emissário (Figura 10.1.2.11-12 do Diagnóstico Ambiental, p. 278), onde, a pluma de efluentes, representada pela cor azul, ocupará grande parte da área marinha do Parque Estadual da Serra da Tiririca, no inverno. Embora numa diluição maior dos efluentes, é importante lembrar que a composição não totalmente conhecida das substâncias, aliada às suas propriedades cumulativas e conservativas, indicam que será certa a alteração não apenas da qualidade da água desta área, mas também de sua biota, o que estaria contrariando frontalmente os objetivos de uma unidade de conservação de proteção integral e diversas leis, como o SNUC.

[8] – Alguns dos planos de monitoramento da Petrobras, assim como a implementação de muitas das medidas compensatórias de seus empreendimentos, são de uma ineficiência exemplar, o que também não garante muita coisa. Por exemplo, nenhuma das quatro milhões de mudas prometidas para serem plantadas no entorno do Comperj tiveram ainda sua destinação compensatória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário