Matéria de ontem do
Jornal O Globo, editoria Rio, revela uma série de incongruências e de
contradições no discurso oficial da secretaria de estado do ambiente e da
Petrobras, algumas das quais tomamos a liberdade de sublinhar e de
contra-argumentar em seção anexa, ao final da reportagem. Leia e confira os
métodos pouco éticos que autoridades estaduais e empresários daquela estatal de
petróleo vem utilizando para entubar uma obra equivocada ao cidadão de Maricá e
Niterói.
O Globo
- RIO
Em análise pelo
Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a construção de um duto de rejeitos do
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) ligando a refinaria à Praia
de Itaipuaçu, em Maricá, é alvo de protestos de ambientalistas, que entraram
com uma ação no Ministério Público estadual. Na terça-feira, o promotor Luciano
Mattos, da Promotoria de Tutela Coletiva de Niterói, juntou à ação um documento
com três mil assinaturas. Os autores pedem o cancelamento do processo de
licenciamento e novos estudos de impacto ambiental (EIA-Rima) para a obra, que
está em fase final de licenciamento.
O principal ponto de
discórdia entre ambientalistas de Maricá e Itaboraí é a proposta para que a
tubulação — que vai despejar no mar efluentes químicos tratados — termine a 2km
da praia. Há o temor de que os rejeitos lançados pelo duto, que terá
aproximadamente 40km em seu trecho terrestre, poluam as praias e a área marinha
do Parque estadual da Serra da Tiririca, administrado pelo Inea.
Por outro lado, a Petrobras garante que as condições de balneabilidade das praias não serão afetadas e ressalta que vai tratar todos os efluentes sanitários e industriais antes do despejo no mar [1].
Projeto original não
previa emissário
Mesmo com o
licenciamento ainda em curso, a Petrobras já abriu licitação para contratar a
empresa responsável pela construção do emissário. Assinado pelo coordenador da
comissão de licitação da estatal, Sérgio Shohati Watanab, o chamamento foi
divulgado em 26 de março, dois meses depois da segunda audiência pública sobre
o duto. O secretário estadual
do Ambiente, Carlos Minc, no entanto, reforçou que a licença ainda não foi
concedida e que o traçado do emissário não está sequer definido [2]. A Petrobras não informou se a
empresa já foi escolhida.
— Eles podem contratar quem bem
entenderem. Mas quem dá a licença, quem define o percurso do emissário e os
parâmetros de tratamento dos resíduos somos nós. E não está nada decidido —
afirma Minc [3].
Duas audiências já foram
realizadas para discutir o Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do
empreendimento. Representantes do Fórum da Agenda 21 de Maricá argumentam que o
estudo apresentado pela estatal é impreciso ao detalhar os impactos ambientais
da construção do duto.
— Estão empurrando a
construção do emissário goela abaixo, sem que esclarecimentos importantes sejam
prestados — critica Cássio Garcez, guia de ecoturismo que coordena o movimento
Fora Duto. — Vai desembocar ao lado da colônia de pescadores? E mais: o EIA admite
a possibilidade de ocorrer alteração na qualidade da água de Maricá. Mas não
fornece mais detalhes.
Minc promete exigir que
o duto despeje efluentes a uma distância “bem maior” do que a proposta pela
estatal — sem entrar em detalhes — e garante que o pré-tratamento dos poluentes
será “de 15 a 20 vezes” mais rigoroso do que a
estabelecida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) [4].
— Não existe impacto zero em nenhum
país do mundo para este tipo de empreendimento [5]. O efluente da CSN vai para
o Rio Paraíba do Sul; o das indústrias inglesas, para o Tâmisa. A saída é
exigir padrões mais rigorosos — diz Minc.
Na proposta original da
Petrobras alinhavada com o governo estadual em 2008, não constava a construção
do emissário. A estatal iria tratar
os efluentes e reutilizar a água na própria planta, num circuito fechado,
lembra Axel Grael, engenheiro ambiental e ex-presidente da Feema:
— Na licença prévia do
Comperj que concedemos em 2008, não havia projeto de construção de emissário. A
ideia era fazer o reuso da água depois de tratada. O projeto mudou. Agora a
empresa mobiliza muita gente, gasta dinheiro ao colocar um edital na rua. E se
a licença não for concedida? [6].
A Petrobras informou,
por e-mail, que os estudos de dispersão indicam que “não haverá alteração na
qualidade da água na área marinha do Parque estadual da Serra da Tiririca” [7]. Disse ainda
que, a partir do início da operação do emissário submarino, será efetivado um
Plano de Monitoramento Marinho para “acompanhamento da qualidade da água nos
campos próximo e afastado do difusor” [8].
A estatal, porém, não explicou o porquê de ter alterado o projeto original. A
inauguração do Comperj está prevista para 2014.
(Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/construcao-de-duto-do-comperj-em-marica-alvo-de-protestos-5155972.
Publicada em 9/6/2012)
ANEXO
Contra-argumentos
às alegações institucionais
Por:
Cássio Garcez
[1]
- O fato de a Petrobras não conhecer a totalidade da composição e das
quantidades das substâncias a serem descartadas (já que apenas uma parte delas
foi apresentada no EIA/RIMA do emissário), contradiz a primeira alegação de que
a balneabilidade das praias não será afetada. Já na segunda, o tratamento dos
efluentes não é garantia de que não haverá impactos ou de que estes serão
"aceitáveis".
[2] - Embora realmente a licença não tenha sido
ainda concedida, o traçado do emissário já está definido, conforme o próprio
secretário (em depoimento ao Jornal O Globo-Niterói de 17/7/2011) e como
mostram as marcações geodésicas instaladas no futuro caminho do duto, de
Itaboraí até o litoral de Maricá.
[3]
- A abertura de licitação para contratação de empresa para construção do
emissário, além de escandalosa e ilegal, é também uma assunção de que o licenciamento
estaria praticamente pronto, aguardando apenas o momento certo de ser anunciado
(supõe-se, depois de passada a vitrine Rio+20). Contrariando Minc, a Petrobras
não pode contratar quem ela bem entende, já que trata-se de uma empresa pública,
gerida com dinheiro público, assim tão ou mais obrigada a seguir os trâmites
legais quanto qualquer outra (do contrário, obviamente estará cometendo um
crime, como parece ser o caso. O MPRJ está de posse de uma cópia de
carta-convite da licitação, apensada à representação sobre o emissário no
último dia 5, dia do meio ambiente). Sobre a segunda alegação, de que nada
está decidido, realmente não se pode provar o contrário. Mas há rumores de
fontes internas do próprio Inea que indicam justamente isto.
[4] - A distância "bem maior" a que se
refere Minc, segundo informações não oficiais de técnicos do Inea, seria um
acréscimo de 2 km
do ponto de dispersão original dos efluentes, totalizando 4 km da Praia de Itaipuaçu e 2 km das Ilhas Maricás. E os
parâmetros "mais rigorosos", ressalta-se, não teriam por si só o
poder de garantir a manutenção da qualidade ambiental do local onde serão
descartados os efluentes, já que a eficiência do monitoramento depende da
rigorosa e competente fiscalização das autoridades ambientais. Algo que já não
funciona a contento, como no exemplo do bota-fora de material de dragagem da
Baía de Guanabara no litoral de Niterói, da alçada do INEA, onde desde o estudo de impacto ambiental,
passando pelo desconhecimento da área de descarte, até a composição do material
descartado são questionados pelo MP (segundo reportagem do Jornal O
Globo-Niterói de 10/6/2012, disponível em: http://oglobo.globo.com/niteroi/poluicao-do-fundo-do-mar-em-niteroi-5154905)
[5] - Esta afirmação contradiz o que o próprio
secretário de estado do ambiente vem alegando em várias reportagens, de que
"não haverá impacto ambiental" com a construção do emissário em
Maricá (Jornal O Globo-Niterói, de 17/7/2011). Haverá ou não haverá impacto,
Minc? Com essa indefinição o Senhor está confundindo a população e atenuando
artificialmente um problema que é grave, já que vai produzir impacto sim, mesmo
com a maior dispersão proporcionada pelo mar aberto, o tratamento prévio do
material a ser descartado e os parâmetros supostamente mais rigorosos para isso.
Destacamos que a composição dos efluentes é de substâncias conservativas e cumulativas,
ou seja, que permanecerão no meio ambiente por muito tempo prejudicando não
apenas os organismos marinhos, mas todos aqueles que usam e dependem do mar para seu
lazer, esporte ou sustento.
[6] - Corroborando o estranhamento de Grael,
questiona-se: por quê, além de a Petrobras ter desistido de reusar 100% dos
efluentes tratados do Comperj, também não incluiu esta alternativa no EIA/RIMA
do emissário? É curioso destacar que tal tecnologia existe e é de domínio da
própria empresa, que alardeia com muita pompa utilizá-la na Refinaria
Capuava, como pode ser conferido na afirmação: "A Refinaria de
Capuava (Recap), em Mauá, no estado de São Paulo, é a primeira planta da
companhia com descarte zero de efluentes. Sua estação de reúso de água foi
inaugurada em 2008 e permite que todo o efluente seja reaproveitado para fins
industriais por outras empresas da região. Com isso, a captação de água do
manancial de abastecimento é reduzida em 880 mil m³ por ano". (disponível em: http://www.hotsitespetrobras.com.br/rao2008/i18n/pt/balanco-social-e-ambiental/meio-ambiente/estudo-de-caso.aspx).
E, por outro lado, se não existe impacto zero, como alega Minc, então por quê
esta empresa dá a entender o contrário na mesma afirmação? Propaganda enganosa
da corporação que detém a marca institucional mais valiosa do Brasil?
[7]
– Esta afirmação é falsa, tomando como
base mapa constante do próprio EIA/RIMA do emissário (Figura 10.1.2.11-12 do Diagnóstico Ambiental, p. 278), onde, a pluma de efluentes, representada pela cor azul,
ocupará grande parte da área marinha do Parque Estadual da Serra da Tiririca,
no inverno. Embora numa diluição maior dos efluentes, é importante lembrar que
a composição não totalmente conhecida das substâncias, aliada às suas
propriedades cumulativas e conservativas, indicam que será certa a alteração
não apenas da qualidade da água desta área, mas também de sua biota, o que estaria
contrariando frontalmente os objetivos de uma unidade de conservação de
proteção integral e diversas leis, como o SNUC.
[8]
– Alguns dos planos de monitoramento da
Petrobras, assim como a implementação de muitas das medidas compensatórias de
seus empreendimentos, são de uma ineficiência exemplar, o que também não
garante muita coisa. Por exemplo, nenhuma das quatro milhões de mudas
prometidas para serem plantadas no entorno do Comperj tiveram ainda sua
destinação compensatória.