segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Relato - e desabafo - da visita do Ecoando às Ilhas Maricás

Nesta postagem, apresentamos fotos e um relato da última visita do Ecoando (grupo niteroiense de caminhadas ecológicas e educação ambiental coordenado por este blogueiro) a esse paraíso de belezas, história e riquezas ambientais que são as Ilhas Maricás (seja dentro ou fora d'água), ameaçadas com a construção do emissário terrestre/submarino do Comperj. O dia desse verdadeiro privilégio foi 7 de fevereiro passado próximo. 



Parte do pescado colhido pelos profissionais da rua 70, nas Maricás, sendo vendido na Praia do Francês, antes de nosso embarque. Fonte: autor.



O dia amanheceu nublado, mas aos poucos foi abrindo. O mar estava calmo e, as ilhas, como sempre espetaculares. Levamos menos de 30 minutos até a Ilha Maricá, a principal das cinco do arquipélago e única onde é possível fazer caminhadas. Nela, Havia muitos pescadores e alguns outros visitantes além de nós, cada um na sua, mas todos felizes por estarmos ali.

Desembarcamos na Praia da Galheta, localizada na parte central da Ilha, e já seguimos caminhando rumo sudoeste, em direção ao farol da Marinha. As pitangueiras estavam tão carregadas que fazia gosto ver o salpicado de vermelho das frutinhas nas copas desses arbustos que dominam o terreno insular.


Pescadores na Praia da Galheta, com o Alto Mourão ao fundo. Fonte: autor.

Passamos por trilhas e locais os quais nunca tinha levado o grupo, justamente pela iminência de não mais podermos voltar ali devido à poluição do emissário do Comperj. Assim, visitamos o Cemitério dos Mariscos, um grotão extraordinário, a Ponta Sudoeste e a Prainha do Saco, além dos atrativos de sempre (o farol, o despenhadeiro que quase divide a ilha em duas e a Praia da Fenda).



Início da caminhada. Fonte: autor.


Tomamos muito banho de mar onde era possível, vimos as cabras selvagens, contei as diversas histórias ligadas ao lugar (sobre o esconderijo do corsário César Fournier ao largo do arquipélago, durante a Guerra Cisplatina; o desembarque de Giuseppe Garibaldi para desfraldar a bandeira da República Riograndense em plenas barbas do Império; os diversos e interessantes naufrágios ao redor dos costões, etc.) e conversamos sobre as ameaças desse crescimento sem limites que tomou conta de Maricá e arredores. 



Vista de alguns dos morros que compõem o Parque Estadual da Serra da Tiririca, cuja área marinha será afetada pela pluma de efluentes do emissário do Comperj. Fonte: Autor.



Ou seja, além do emissário, falamos sobre o Porto de Jaconé, o megaempreendimento imobiliário planejado para a APA de Maricá e os bota-foras de material de dragagem da Baía de Guanabara, ali pertinho.



Vista quase geral da Ilha Maricá. Fonte: autor.



Desta forma, não apenas sorvemos cada minuto da espetaculosidade do local, mas também aprofundamos conhecimentos críticos a respeito dessas e de outras ameaças, assim como da formação geológica do arquipélago, sua pré-história, história, geografia e outros assuntos correlatos àquela joia de beleza, riqueza e interdisciplinaridade (como antropologia, sociologia, biologia, etc.). Uma vivência inesquecível e muito rica. No entanto, porque não dizer, igualmente aflitiva.



O farol da Marinha. Fonte: autor.



A esse respeito, questionamos: como pode uma das sete maravilhas de Maricá (com potencial gigantesco para o turismo, além de criatório natural de organismos marinhos, refúgio ou ponto de passagem de baleias e peixes raros, e cuja produtividade pesqueira é a maior do município em pesca oceânica embarcada) ser destruído por uma obra tão irresponsável e ilegal como o emissário?


Caminhantes no Cemitério de Mariscos. Fonte: autor.


O emissário do Comperj, concebido e tocado por diretores da Petrobras que hoje são indiciados por crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, foi licenciado pelo Inea e a Secretaria de Estado do Ambiente em 2012.



Caminhantes na Ponte Sudoeste da Ilha Maricá, com a Ilha Anexo à vista. Fonte: autor.


Esse duto, de mais de 40 km de extensão, despejará toneladas diárias de venenos químicos e água contaminada do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro a apenas dois quilômetros das ilhas, o que comprometerá a qualidade do pescado, exterminará o coletivo de pescadores artesanais da Rua 70 (ocasionando assim um problema social), e trará prejuízos que são assumidos pelo próprio empreendedor como "não totalmente conhecidos" (segundo EIA/RIMA do emissário).




As cabras selvagens da Maricá. Fonte: autor.



E o pior: tudo isso acontecerá mesmo com a existência de uma alternativa menos impactante, a do descarte zero de efluentes, tecnologia da própria Petrobras (como pode ser conferido, em: http://www.hotsitespetrobras.com.br/rao2008/i18n/pt/balanco-social-e-ambiental/meio-ambiente/estudo-de-caso.aspx), que sequer foi apresentada do EIA/RIMA do empreendimento! Ou seja, uma atitude não apenas ilegal, mas criminosa mesmo.



Grotão. Fonte: autor.

Ainda temos esperança que, com o andamento das investigações e indiciamentos da Operação Lava Jato, assim como o andamento da Ação Civil Pública contra o licenciamento do emissário, no Ministério Público Estadual, essa obra seja embargada para sempre e o empreendedor venha a ser obrigado a adotar o descarte zero. Como deve ser.



Jardins naturais e variados de plantas nativas, como bromélias, na vertente oceânica da Ilha. Fonte: autor.



Enquanto isso não acontece, preferimos nos precaver e guardar bem na memória e em fotos a integridade do que será supostamente destruído pela estupidez e a má fé de governantes, políticos e empreendedores, com o aval de técnicos e servidores do Estado (leia-se Instituto Estadual do Ambiente - Inea - e Secretaria de Estado do Ambiente - SEA), a partir do final de 2016 (época da inauguração do Comperj, caso a mesma não seja mais uma vez adiada).


Banho de mar na Prainha da Fenda, no extremo nordeste da Ilha Maricá. Fonte: autor.



Pedimos desculpas pelo desabafo e a forma apaixonada de tratar este assunto, mas não dá para se ter outro sentimento que não o de revolta em saber que o paraíso que são as Ilhas Maricás será destruído, ainda que só a sua parte marinha.


Prainha da Fenda vista de outro ângulo. Um ecoandista (adepto do Ecoando), viajante internacional, comparou este lugar ao Mar Egeu. Dá para aceitar que o mesmo venha a ser poluído? Fonte: autor.


Afinal, ilha sem mar não existe.

Que as Ilhas Maricás continuem existindo, então!

Cássio Garcez
Blogueiro e coordenador do Ecoando





Prainha do Saco, outro paraíso dentro do paraíso da Ilha Maricá. Fonte: autor.

Vista da enseada de pedras que formam a Prainha do Saco. Ao fundo, a APA de Maricá e serras que dividem o município de Itaboraí, de onde virão todas as porcarias do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Fonte: autor.

Perspectiva da Prainha do Saco vista de quem vem do mar. Nada a dever às paisagens mais belas do nordeste do Brasil. E isso em plena Maricá! Esse lugar tem que ser protegido: Fora duto! Fonte: autor.

Prainha da Fenda vista das Ilhas Crioulas, localizadas a nordeste da Ilha Maricá. Fonte: autor.

Ilha Anexo (nome dado pelos pescadores), a sudoeste da Ilha Maricá. Esta fenda divide a ilha em duas. Neste local, foram pescados tubarões mako e tigre, além de um marlim azul, não faz  muito tempo. Também costumam passar por ali baleias orca, jubarte, piloto e talvez outras. O que será delas com o emissário? Fonte: autor.

Que as nuvens negras da ganância e da estupidez de empresários, governantes e políticos que deram esse presente de grego para Maricá (o emissário do Comperj, entre outros), sejam dissolvidas pelos ventos da mobilização popular, das ações civis públicas e da verdadeira justiça. Esse é o nosso desejo. Fonte: autor.

P.s.: clique nas fotos para abrir a galeria, com quadros em tamanho e definição melhores.